Ela
não fala, não come, não se move. Mas pinta, estuda e ensina arte a
crianças que nasceram com paralisia cerebral. Tudo isso usando o olhar,
um leve movimento de queixo e um programa de computador desenvolvido
especialmente para ela.
Nesta
quarta, às 14h, a artista plástica Ana Amália Tavares Barbosa, 46,
defende sua tese de doutorado em arte e educação no Museu de Arte
Contemporânea da USP, iniciada quando já estava paralisada.
O
estudo, intitulado "Além do Corpo", é fruto de três anos de trabalho
com artes visuais desenvolvido com um grupo de seis crianças com lesões
cerebrais, atendidas na Associação Nosso Sonho, onde Ana também leciona.
Todas as crianças usam cadeiras de rodas, não falam e têm dificuldade de enxergar. Assim como a professora.
Em 2 de julho de 2002, exatamente no dia da defesa da sua dissertação
de mestrado na ECA (Escola de Comunicações e Artes), Ana Amália sofreu
um AVC (Acidente Vascular Cerebral) no tronco cerebral e ficou
tetraplégica, muda e disfágica (não consegue mastigar e engolir).
"Ela
começou a passar mal quando uma das pessoas da banca não apareceu
porque confundiu as datas. No hospital, foi perdendo os movimentos,
começando pelas pernas", conta a mãe Ana Mae Barbosa, 75, professora
aposentada da Faculdade de Educação da USP.
O
pai, João Alexandre Costa Barbosa (morto em 2006), crítico literário e
também professor aposentado da USP, acompanhava a filha.
Ele
relatou à mulher as últimas palavras de Ana Amália. Ao escutar o médico
perguntando se ela era muito nervosa, disparou: "Por que vocês médicos
sempre acham que a culpa é do paciente?".
Como
sequela, Ana Amália ficou com síndrome do encarceramento ("locked in"),
retratada no filme "O Escafandro e a Borboleta" (2007).
"No primeiro ano, ela só dizia: 'eu quero morrer'. Depois, voltou a se apossar da vida", diz a mãe.
Foram
40 dias de UTI e quatro meses de internação até Ana Amália voltar para
casa. A família conta com três enfermeiras, que se revezam 24 horas,
duas fonoaudiólogas e duas fisioterapeutas.
Com
a cognição e a memória preservadas, Ana se comunica por meio de um
cartão com letras e de um programa de computador (veja quadro abaixo),
desenvolvido pelas redes Sarah (Brasília) e Lucy Montoro (SP).
O atual desafio é fazer com que ela mastigue e engula a comida. Ana usa um cateter ligado ao estômago.
Ana
Mae consulta a filha o tempo todo. "Quantos semestres você cursou
psicologia na PUC como ouvinte? Dois, três, quatro." Ao ouvir quatro,
Ana pisca os olhos. "Ela é a minha memória."
A
terceira Ana da casa, Ana Lia, 11, tinha apenas um ano e oito meses
quando a mãe sofreu o AVC. "Aos poucos, ela aprendeu a interpretar meus
olhares", escreve, com os olhos, Ana Amália.
Os desenhos também foram (e continuam sendo) uma conexão entre as duas.
Doutorado
No projeto de doutorado, Ana Amália trabalhou, com a ajuda de assistentes, a percepção corporal dos alunos.
Uma
das atividades foi desenhar o contorno dos corpos em papel, depois
recortá-los e pintá-los. Por fim, construir cenas nas quais os corpos
brincam. "Eles exploram o espaço já que não podem fazê-lo na vida real,
pois estão presos à cadeira de roda."
Outra
preocupação foi a inclusão cultural dos alunos. Ana Amália os levou a
espaços como o Instituto Tomie Ohtake e o Jardim de Esculturas (Parque
da Luz).
Pergunto qual é sua principal dificuldade. "Conviver com a invisibilidade."
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